Alguns buracos podem ter uma certa utilidade. Perdidos num campo de golfe, misturados num queijo suíço, ocupados num filme porno. No sítio certo, na medida exacta. Despropositados e desmedidos apenas trazem problemas, só garantem chatices. Veja-se o caso trágico do buraco do ozono. Ou da cútis do Bryan Adams.
São buracos de outra índole, mais rebeldes, que gostam de desafiar as leis da Física. Contraem-se e dilatam por razões que pouco têm a ver com a temperatura, embora possam estar vagamente relacionadas (mas não inversamente) com a pressão. Constata-se que à medida que a pressão aumenta, o volume do buraco geralmente aumenta também, em proporção. Parece estranho mas acontece mesmo.
Estes buracos têm sido tradicionalmente considerados uma patologia coronária. Qualquer coisa que uma cirurgia cardiotorácica pode resolver. Um ou dois bypass, operações de rotina. Infelizmente, nada está mais longe da verdade. Não vale a pena deixarem-se enganar por mistificações ancestrais sobre a sua localização anatómica.
Na verdade este tipo de buraco oculta-se mais em cima, perdido algures na caixa craniana. E isto, enfim, introduz sérias limitações ao nível das alternativas terapêuticas. Muitas vezes se tem sugerido a lobotomia, outras a trepanação. Mas a primeira solução peca certamente por ineficácia (como extirpar o vazio?) e a segunda por absurdo (abrir um novo buraco para eliminar o anterior?).
Talvez a questão extravase os domínios da ciência. Pensando bem, um buraco deste tipo possui algumas características divinas. Parece estar em muitos lugares ao mesmo tempo. No cenário mais paradisíaco e no tugúrio mais infecto. Há alturas em que consegue mesmo estar em toda a parte.
Mas à excepção deste detalhe da omnipresença, em todos os outros aspectos só muito dificilmente um buraco poderá ser considerado etéreo. De facto, nem o peso nem a dimensão devem ser desprezados. Um buraco cheio de nada pode assumir proporções assustadoras, ser um fardo incalculável.
É relativamente fácil ampliar um buraco. Costuma ser bastante polífago. Alimenta-se tanto de algumas coisas realmente terríveis como de pequenos nadas (literalmente). Mesmo que se tente empanturrá-lo com trabalhos, actividades, ruídos e todo o tipo de plurais, rapidamente um buraco arranjará maneira de se esvaziar. Pode até acabar por conseguir crescer ainda mais à custa de tudo isso.
Um buraco às vezes surge de geração espontânea. É o buraco mosca-da-fruta. Mas noutras irrompe de qualquer coisa muito boa que se foi embora demasiado depressa. Aí é o buraco memória-de-elefante. Mas, quer desenvolva propensões oníricas como Martin Luther King ou seja insurrecto como Malcolm X, é quase sempre um buraco negro.
Em termos comportamentais o buraco segue habitualmente a máxima aristotélica, “no meio está a virtude”, mas, segundo a sua interpretação muito pessoal, pensa que se trata de uma média aritmética e então vai vivendo nos dois extremos para no final tentar dividir o resultado por dois.
Mas um buraco também não é parvo nenhum. Percebe que se fosse suposto andarmos em grupinhos seríamos embalados à meia-dúzia como os ovos. No fundo não passamos de pacotes de leite, ultrapasteurizados em pacotes individuais. Na melhor das hipóteses podemos calhar durante uns tempos juntos no mesmo frigorífico, mas mais nada. E provavelmente ainda bem. Porque dois buracos juntos só podem resultar num buraco ainda maior.
Ou se calhar não, talvez um buraco não seja assim tão esperto. Talvez não passe afinal de um estúpido estado de espírito. Só que, infelizmente, tal como a água no coração dos glaciares costuma manter-se sólida, também um buraco não vai mudar facilmente de estado. Mesmo com o aquecimento global.