Tenho andado a pensar na palavra “agradável” e garanto que tem sido desagradável. É que a palavra “agradável” concentra tudo o que há de mais insuportável no mundo. Ou, pensando bem, nem sequer isso. A palavra “agradável” reúne simplesmente tudo o que há de mais tépido, neutro e assim-assim no mundo. E também o mais-ou-menos, o talvez-mas-não-tenho-bem-a-certeza e tudo o que seja, sei lá, passável.
É como quando nos perguntam se alguém é gira ou giro e nós respondemos que é muito simpática ou simpático. Está-se mesmo a ver que a criatura em causa é pelo menos tão horripilante como a Lili Caneças ou o Joe Berardo (que, diga-se em seu abono, não se pode dizer que sejam especialmente agradáveis). “Agradável” é isso. É o que se diz de alguma coisa quando todos os outros predicados falham.
Vou dar um exemplo. Quem, no seu inteiro juízo, se lembraria de apodar o Gandhi, o Churchill, o Martin Luther King, ou mesmo (num estilo acentuadamente mais curvilíneo) a Sofia Loren, enfim, qualquer personalidade com um mínimo de personalidade, de “agradável”? Nem mesmo Jesus Cristo procurou ser sempre um tipo agradável (veja‑se o que aconteceu com os vendilhões do templo…). A verdade é que as pessoas agradáveis não têm história. São como as famílias felizes do Tolstoi, parecem‑se todas demasiado umas com as outras.
Tentem agora pensar em qualquer coisa que valha mesmo a pena. Não precisa de ser algo que tenha mudado o mundo (mesmo que seja só o vosso), basta ser alguma coisa que vos tenha ficado na memória. É um bom teste. Porque pelo menos a maior parte (e já é uma parte enorme) do que é “agradável” costuma ser também ao mesmo tempo amplamente esquecível. E há uma razão forte para o nosso cérebro não considerar relevante recordar pessoas ou eventos agradáveis. É que costumam ser também incrivelmente chatos. Qualquer pessoa com alguma prática, quando ouve a palavra “agradável”, saca logo de um bocejo. E muda de conversa (ou de interlocutor).
“Agradável” rima com “abominável”, com “intragável” e com “detestável”. Infelizmente, desde há uns tempos chegou esta moda do agradável. E tem sido uma autêntica praga, um bocado como os almoços ao balcão para os empregados bancários. E, se virmos bem, até não combina mal com os queques e os croquetes que se engolem à pressa nesses sítios. Mas reparem como seria impensável (outra rima indesejável) qualificar uma grande paixão ou uma grande vitória ─ ou tudo o que seja minimamente importante ─ como “agradável”.
Em suma, caro leitor, por via das dúvidas, o melhor é ousar ter uma vida extraordinária (ou até uma vida extra ordinária, se for caso disso), tudo, menos ficar-se por uma existência agradável.
2 comentários:
Ou até arranjar uma vida extra. De tal forma o fígaro ordinário ( ou seja: que está anónimo numa série ) se atormenta com o lapso de eventualmente agradar, que não hesita em brandir, a quantos não ousem litigar, o labéu da infâmia.
Dispensável ( como uma Dodot ).
Enia Gard.
Parece-me que o principal problema da palavra agradável, para além da sua óbvia dissiminação incontinente e do enfado que provoca, é o evidente vazio de ideias que denuncia da parte do seu emissor compulsivo.
Mas também não há esperança de muito mais neste ínfimo país, com ínfimas pessoas.
Se queres qualquer coisa melhor, Barbeiro, segue o meu concelho e emigra de uma vez. Já se viu que o teu reino não é mesmo deste mundo. Mas lembra-te que não estás sózinho, há por aí muitos barbeiros como tu.
Boa sorte,
Eric Blair (O Segundo)
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