Alerto desde já quem não teve ainda possibilidade de ler os conteúdos da proposta de revisão do actual regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (fabricada à socapa pelo Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional) que arrume o mais depressa que puder a sua mala de cartão e abandone rapidamente o país. Isto enquanto é tempo.
A proposta faz-me lembrar um pouco o Monsieur Castella do filme francês de Agnès Jaoui “O Gosto dos Outros”. Para quem não se recorde, Castella é um Sancho Pança dos negócios, uma criatura bacoca e grosseira, que por obrigação profissional mas sobretudo por força de uma paixão inopinada, decide ter lições de inglês e entrar no inacessível pequeno mundo da intelectualidade parisiense. Ora esta nova REN é uma espécie de Castella enfarpelado para ir à Ópera. O diploma refina-se, sofistica‑se, mas os dislates dos seus conteúdos regulamentares e dos próprios conceitos que os informam, bem como as motivações gollumescas de conquista de um poder sobre o território continuam lá. Só que agora vestem fraque.
Os despautérios mais gritantes do actual diploma não são eliminados, passam apenas a falar pianinho. É o caso das “cabeceiras das linhas de água” e das “áreas de máxima infiltração”, que ficam agregadas e travestidas, qual drag queen lantejoulante, pela nova designação (certamente mais fresca e moderna, contudo não menos indiscernível) de “áreas estratégicas de protecção e recarga de aquíferos”. E o novelo de Ariadne de “usos e acções compatíveis” (inovação 2006) convive animadamente com um regime geral tão cego e restritivo como o do diploma em vigor.
Pior. A proposta vem introduzir ainda mais entropia no sistema de planeamento. Passam a existir dois níveis distintos da REN: A Estrutura Nacional da REN (o nível estratégico), a cargo das CCDR e com uma escala manifestamente inadequada (1:250 000), e a delimitação municipal da REN (o nível operacional), que fica acometida aos municípios. Mas só uma análise muito perfunctória pode fazer pensar que tal constitui alguma espécie de vantagem para o poder local. Na verdade, trata-se, pelo contrário, de um reforço da posição das CCDR que, para além de ficarem com a última palavra sobre os critérios de demarcação e sobre a conformação final das cartas municipais, assim alcançam todo o poder sem qualquer esforço, remetendo os municípios para o papel moroso e humilhante de um autómato.
Outra forma de iludir a administração local está relacionada com a «atribuição de apoios por programas de financiamento público» aos municípios mais abrangidos pela REN, o que, por um lado, significa um reconhecimento de que a REN constitui de facto um “prejuízo”, mas, por outro lado, é tão útil como tapar um melanoma com um esparadrapo.
Outro aspecto particularmente absurdo da proposta, sobretudo considerando a premência da realização de acções de defesa da floresta contra incêndios (a qual é explicitamente assumida na lei pelo Sistema Nacional de DFCI e pelo Plano Nacional de DFCI), é o facto de se ter retirado do regime de excepção as operações e projectos aprovados pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais. Deste modo, fica também manietada à decisão discricionária das CCDR a normal gestão dos espaços silvestres. E este perfume celulósico fuliginoso lançado agora pela REN pode trazer consequências cauterizantes para o país.
A REN passa a ser também demarcada nas áreas protegidas, coisa que não sucedia anteriormente, ferrando desta forma uma nova e calórica fatia do território. De facto, é o regabofe absoluto em nome de uma suposta protecção “ecológica e ambiental”. Na mão das CCDR fica, portanto e em última análise, o controlo sobre quando e onde não se pode construir e urbanizar, ou, o que é o mesmo, quando e onde se poderá fazê‑lo. A verdade é que a REN está para as transacções especulativas dos solos rústicos um bocado como o Herbalife para o emagrecimento rápido, só que consegue ser muitíssimo mais eficaz.
Enfim, haveria ainda muito mais para dizer sobre esta proposta de revisão da REN. Mas não tenho tempo, estou a fazer a mala.
6 comentários:
Este post consegue ser mais bombástico que uma chorisia...
E que tal deixar ao cargo dos muitos piromaniacos que temos, a legislação da REN?? Oferecendo a cada um uma caixinha de fósforos nova?
Porque encaremos a realidade...tanta discussão por um monte de cinza?? :p
Não será o meu caríssimo barbeiro um discípulo de Sidónio Pardal?!
Caríssimo anónimo,
identifique-se ou, pelo menos, invente um pseudónimo bonito como "O Cabeleireiro Basco" ou "O Ornitólogo Cinegético". É o mínimo que a imaginação exige.
Kagandachatice! Estavam os sequazes do "cambrioleur" de St.-John-of-Woods a congregar-se para a ovação final quando...zás! Os "travões" do costume conluiaram-se para lhes espatifar os folguedos.
Dos PINáculos da benemerência aquilinos perscrutavam os mestres-d'obra (no sentido escatológico que em décadas de profícua iniciativa foram dando à coisa),agora denominados promotores:"vamos lá à cómoda (des)centralização da patuscada"(como diria o arguto Eça).
E se deitassem o olhito cúpido (não o do cú, como cosuetudinariamente fazem) para umas charnequitas esqueléticas, umas pedreiritas abandonadas ou uma montureira municipal a pedir imaginação e empenho?
Hom'essa! Atão, aqui com o orago protector do Imo-Proletariado mesmo à mão, de estanco armado à ilharga de São Bento, o Professor Doutor LENINho(Gentil), vai lá a gente ralar-se a cerzir a "malha"!
(isto parece é conversa de sopeiras...)
Cegonhas para a rua, que o sapal é para o nababo, e o nabo (naturalmente deslocado) recuará ante a stickada do golfista.
Infiltração?! brama o "nouveau-riche", farejando escolhos à bulimia da betoneira. Corredor?! Só gosto do da casa da Vovó(Don'Alda)! grasna o "parvenu".
ApartHotéis ( só o nome já promete sarilho...) e Marinas (para Colchões Repimpa) é o que o povoléu deglute e o autarca se compraz em ostentar como um broche...(perdão: uma pregadeira!)
Vivam os arautos da Ordem Nova!
Todo o Poder aos Sovietes!
Abaixo os meninos do Chiado! (que tánto nos béxarum, carágo...)
Longa vida ao Camarada Ióssif Vissarionovitch Stálin!
(em fundo, troa o Hino da Soviécia...)
Ass: Manuelinho de Évora
Desculpa lá, Fígaro ( tu que até és de maus fígados ), mas a piadola da infiltração devia rezar assim:
"(...)Infiltração?! Só se forem as do meu "pulivã"!(...)
Manuelinho de Évora.
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